Você sabe que diabo é isto?
Pode não saber pelo título da matéria, mas com o desenvolvimento dela eu tenho certeza de que você sabe, e como sabe.
O lar é o local onde existem as maiores agressões entre as pessoas, por incrível que pareça.
Existe uma conversa besta que diz que o “lar é sagrado” que, para mim, é tão ingênua como a que diz que “mãe é sagrada”.
Mentira, conversa fiada mesmo:Alguns lares verdadeiramente vivem como locais sagrados, assim como algumas mães se comportam como seres amorosos, compreensivos, carinhosos e afetuosos, mas a grande realidade é que, infelizmente, muitos lares vivem eternamente em guerras e competições entre os seus membros.
Uma das razões disto é exatamente essa coisa que eu chamo “saturação parental”.
Mas... o que vem a ser, afinal?
Este assunto eu inseri no material do seminário que ministro para as mulheres, focando mais na “saturação marital”, que é quando muitas mulheres, por se saturarem dos seus maridos, recorrem a outras aventuras, na ilusão de que viverão em verdadeiros paraísos com outros homens, equivocadamente achando que desses não vão se saturar nunca, o que é uma ingenuidade ou talvez burrice.
Mas já que o assunto não se aplica somente a mulheres, resolvi ampliá-lo neste artigo.
Você, com certeza, já deve ter percebido que, dentro de casa, ninguém pode abrir a boca que os outros reagem logo, dizendo o famoso “já sei o que você vai falar. Você sempre falando as mesmas coisas”.
Mulheres não suportam quando os seus maridos abrem a boca e a saturação é tanta que só faltam fechar os ouvidos. Eles também fazem a mesma coisa em relação a elas.
Adolescentes ficam irritados quando os seus pais começam a falar e chegam até a dizer “eu não agüento mais o papai e a mamãe”.
Entre os irmãos, também, a relação é a mesma.
Ninguém suporta mais ninguém dentro de casa, uns só faltam colocar algodão nos ouvidos para não escutar a voz dos outros e é aí que se instala aquilo que chamo de saturação parental.
As pessoas se saturam daqueles que vivem ao seu redor e não fazem o menor esforço para perceberem o quanto isto é sério e quão grave é o problema da não observância disto, pelo que pode causar para o futuro das relações.
Há casos de uns colocarem as duas mãos nos ouvidos, cada vez que o outro abre a boca, só para irritar mais.
Adolescentes correm para os seus quartos, quando a mãe ou o pai começa a falar, e ainda batem a porta com força, só faltando arrebentar.
Vivemos hoje um modismo terrível, que trará sérias conseqüências para a saúde auditiva de muitas pessoas no futuro, que é a onda dos fones de ouvidos, que alcançou um nível de elevado ridículo na sociedade.
O modismo do fone de ouvidos é mais intensificado exatamente por esta necessidade de não escutar o que falam as pessoas de dentro de casa.
Psicologicamente pode ser uma patologia grave porque demonstra que as pessoas estão se saturando de escutar a vida, o som do dia-a-dia, tendo que recorrer a alguma “música”, que na maioria das vezes não é nem música e sim ruídos sem qualquer harmonia, melodia e ritmo, que são os componentes da verdadeira música.
A recorrência aos fones de ouvidos, dentro de casa, quando o jovem se isola no seu quarto, é também um recado de que não quer ouvir ninguém dentro de casa.
- “Pára, mãe! Não agüento maisssss!”
- “Dá um tempo, pai... não tô a fim de escutar nada não”
- “Ih, vovô, não encha o saco. O seu tempo já era, pare com esse seu blá-blá-blá que ninguém mais agüenta”
As pessoas não se suportam.
- “Meu Deus, eu estou falando para o bem dessa menina e ela não quer escutar”.
É quando os pais se desesperam, querendo ajudar, no desejo de evitar que os seus filhos se prejudiquem, mas não tem jeito, porque o processo da saturação já está instalado e os ouvidos não se abrem mais para escutar nada e nem ninguém.
Você já deve ter ouvido, várias vezes, gritos nas casas dos vizinhos. Não só nas dos vizinhos, mas também na sua, talvez.
Os gritos ocorrem exatamente por conta das pirraças, dos deboches e das cabeças duras de algumas pessoas que não querem dar o menor ouvido para o outro, quando está falando alguma coisa.
Isto ocorre exatamente por causa da saturação parental que as pessoas não percebem que é uma doença que devemos procurar curar, para o bem das relações humanas.
A tendência dessa praga é formar um agravamento que ninguém escuta ninguém e quando o outro começa a falar alguma coisa em vez da gente abrir os ouvidos e o cérebro para primeiro escutar e processar o que está sendo dito pelo outro, ocupamos a nossa mente, precipitadamente, para formatar qual o tipo de resposta que vamos dar, com a ideia preconcebida, de maneira tal que a criação dessa resposta seja a mais agressiva e até ofensiva possível.
Estabelecemos um mundo de competição entre os mais próximos.
É lamentável, mas é a realidade do comportamento da maioria das pessoas.
Tenho certeza de que vai aparecer um ou outro leitor para dizer:
“Ah, Alamar, acho que você está exagerando, porque aqui em casa as coisas não funcionam assim”.
Eu acredito, sim, e sei que em muitas casas a coisa não funciona assim, ainda bem. Mas isto é só minoria porque na maioria dos lares, infelizmente, é comum os membros se dirigirem aos outros como se fossem coisas suas.
Claro que não são todos os membros, mas sempre tem alguns que vivem assim.
Adolescentes concebem as suas mães como se fossem suas empregadas domésticas, ou, pior, dizem para as mães o que não dizem para as empregadas domésticas, porque hoje empregada nenhuma tolera mais agressões das próprias patroas, quanto mais dos seus filhos.
Gritam mesmo, ficam com raiva, se irritam com facilidade, batem porta na cara e mantém o relacionamento com absoluta frieza.
Há casos de filhos que mandam as suas mães tomar no..., e por aí vai.
Veja a que ponto chega a saturação.
Um dos exemplos desta saturação ocorre muito quando a mãe telefona para os filhos.
Eles, invariavelmente, atendem como se estivessem sendo incomodados, pois reclamam pelo fato dela estar ligando, dizem para não encher o saco, ficam mal humorados e tudo.
Sabe qual o pior?
A maioria das mães, que não tem o menor amor por si próprio, acha que tem OBRIGAÇÃO de tolerar todos os desaforos e chiliques dos seus filhos.
Um dos maiores absurdos que existe na compreensão humana é entender que mãe tem obrigação de suportar calada todas as agressões dos seus filhos, só porque é mãe.
O nome disto é masoquismo absoluto e não amor.
O pior é o que vem depois.
É quando a burrice absoluta se estabelece pra valer.
Procuram encontrar nos outros, de fora, uma paz e uma compreensão que não existem.
Por que o adolescente acha que se sente melhor na companhia dos “amigos”?
Primeiro porque ele imagina que toda pessoa conhecida, fora de casa, necessariamente é amiga e, com essa pessoa, durante algum tempo ele realmente se sente bem ao lado, mas... sabe por quê?
Porque não existe ainda a saturação.
Na medida em que vai se acentuando a convivência com essa pessoa, a quem hoje ela considera amiga e até sua confidente, o desgaste natural da relação também vai acontecendo, do mesmo jeito que ocorreu na convivência com os de dentro de casa.
É quando se estabelece a nova saturação.
Este processo é terrível quando parte daquela pessoa que simplesmente enjoa do seu cônjuge e procura novas relações, sem levar em conta este problema que estou abordando, que é o da saturação.
É claro que vai haver saturação na nova relação, também.
Você já deve ter ouvido falar de muitas mulheres que já passaram por vários maridos ou de homens que já passaram por várias esposas e não param com ninguém.
No mundo artístico, por exemplo, existe demais... ou melhor, mundo dos famosos, porque ser famoso não significa necessariamente que seja artista.
Não sou contra as separações de casais que não dão certo, porque não dou respaldo àquela recomendação que diz que o que “Deus” juntou o homem não separa, já que sabemos muito bem que a instituição do casamento não é estabelecida por Deus e sim pelas conveniências sociais e interesses.
Quando a relação está desgastada, quando há agressões, incompreensões, chantagens, ciúmes, exploração, etc... ele e ela devem mesmo procurar se libertar e tentar com outra pessoa.
Mas, antes da tomada de decisão, é fundamental parar para pensar e ver se o problema das constantes desavenças não está acontecendo exatamente por conta da saturação, que venho falando, e que as pessoas não levam em conta.
Todos nós conhecemos casos de homens que abandonaram as suas esposas para viverem com outras mulheres e transformaram as suas vidas num verdadeiro inferno.
Antes não estava tão bom, o quanto ele gostaria, mas, por causa da precipitação, fez tudo ficar muito pior e entrarem em processo de arrependimento.
O mesmo já aconteceu com muitas mulheres, movidas pela burrice absoluta.
Quem ainda não ouviu o velho ditado:
“Ruim com ele, pior sem ele”.
É o que acontece com muita gente. Quando o arrependimento vem depois... misericórdia, haja sofrimento.
Santo de casa não faz milagres
Temos que acabar com esse conceito absurdo e dar espaço para a racionalidade.
Muitas vezes o elemento de dentro da nossa casa é admirado e amado por milhares e até por milhões de pessoas, mas os seus mais próximos não param um pouco para pensar nos valores que ele tem.
A saturação parental, quando se instala, é um veneno que congela a nossa mente em relação às coisas boas que um ente próximo pode ter.
Há mulheres que vivem armadas contra os seus maridos e tem a tendência de ser contra tudo o que vem deles. O contrário acontece também.
Eles podem até descobrir a cura da AIDS, que elas são incapazes de perceber.
Isto acontece muito, gente.
Conclusão
As pessoas precisam parar para pensar nisto e o problema pode ser resolvido.
A primeira iniciativa que todos devem tomar é ter consciência de que isto é uma realidade, chamar os membros da própria família para conversar, embora vá existir uma dificuldade muito grande, porque as indiferenças, as friezas e muitas vezes as agressões caíram no costume, já ficaram tão arraigadas dentro de casa que muitos têm até vergonha de iniciar qualquer processo de mudança.
Ficam sem jeito de tomar iniciativa.
Imagino que você já tenha ouvido falar de casos de um determinado cidadão que um dia qualquer chega à sua casa, trazendo um buquê de flores para a esposa, mas ela, em vez de ficar feliz, fica é preocupada, achando que ele vai morrer nos próximos dias.
Afinal de contas, ele nunca fez isto ou, se fez, o fez no tempo que eram namorados.
Muitas vezes gestos como esse se transformam em briga:
- “Ihhhh, esse santo quer reza”
- “Alguma coisa deve existir por trás disto”
- “Qual é a tua? O que tu tá querendo?”
- “Pra cima de mim? Vá logo dizendo qual o nome da vagabunda”
Pronto, na cabeça da pessoa só vem o pior, começa achar que ele está tendo algum caso com outra... enfim, as pessoas de dentro de casa dificilmente acreditam que os seus entes mais próximos sejam capazes de atos elevados.
Tem que parar com isto! tem que mudar tudo!.
Não precisa ninguém ser santo para ser civilizado, basta usar o bom senso.
A saturação parental é algo que precisa ser combatido, as pessoas precisam entender que pessoas não são doce-de-coco, pra sair enjoando assim.
É preciso que eliminemos das nossas vidas esse negócio de ficar “com vergonha” ou “sem jeito” para tomar iniciativas de mudanças.
- “Ah, mas se eu não estou acostumada e dizer pra o meu marido que o amo, há mais de vinte anos, como você quer que eu diga agora? É normal a gente ficar sem jeito.”
Concordo que é difícil, sim, mas será que o sacrifício do exercício não valerá a pena, em se considerando a probabilidade de evitar o agravamento de um mal terrível para a família?
Pensemos nisto.
Abração.
Alamar Régis Carvalho